A poesia é algo que não existe. Mas fere.

A pessoa grande

 

Aos poucos as coisas vão voltando ao seu lugar comum. Todos os lugares são comuns. Aos poucos os dias voltam a ser os mesmos. Aos poucos as notícias retornam à sua rotina sombria de sempre. Tenho sentido um vazio imenso por dentro. Algo que não sei explicar bem. Se eu fosse um poeta talvez soubesse dizer. Mas não sou nem me interessa ser. A poesia é algo que não existe. Mas fere. Tenho me iludido a vida inteira. Não existe nada. Só coisas que passam. Que desaparecem. Que deixam de existir. O bilhete de amiga. O aceno terno de pessoas que não conheço. Uma fotografia nova. Um instante antigo. Um homem antigo caminhando pelas ruas invisíveis. Por um acaso, há alguns minutos, procurando um livro, me deparei com “O menino do dedo verde”, de Maurice Druon, edição de 1973. O livro tem uma dedicatória para mim, mas não consigo ler. Não sei mais quem me ofereceu esse livro. E por que razão. Deve ser a razão de sempre. Tento ler o nome de quem me presenteou. Não consigo. Mas isso não é importante, embora tudo seja importante. Os meus 19 leitores devem compreender. Abro o livro em qualquer página. Abri na 59, que diz: “As pessoas grandes têm a mania de querer, a qualquer preço, explicar o inexplicável. Ficam irritadas com tudo que as surpreende. E, logo que acontece no mundo algo de novo, obstinam-se em querer provar que essa coisa nova se parece com outra que já conheciam há muito tempo”. Não sei exatamente porque coloco este trecho do livro no blog. Eu não sei nada. Quem será que me deu o livro em 1973? Será que eu andava desesperado naquela época? Mas eu sempre andei desesperado, a vida inteira foi assim. Não há nada de novo nisso. As coisas estão voltando ao lugar. Aos poucos. Aos poucos as imagens crescem mais. Fica tudo na lembrança. Eu sou uma pessoa grande