sábado, novembro 26, 2011

Uma passeata de menininhos ricos que têm universidade paga pelo povo. Foi uma nova Marcha da Maconha. Manifestação em defesa da maconha livre no campus.

Aquele abraço



         Prá você que me esqueceu, aquele abraço. Quem sabe de mim sou eu, aquele abraço. Estou com os versos de Gilberto Gil na cabeça, daquela canção que ele fez quando foi “convidado” pela ditadura militar, junto com Caetano Veloso, a deixar o país. Foram viver em Londres. Era uma despedida nos dias de plena escuridão. Hoje os meninos ricos da USP fazem passeata na Avenida Paulista, com o rosto coberto com camisetas e lenços, como os bandidos nas rebeliões nos presídios. Uma passeata de menininhos ricos que têm universidade paga pelo povo. Foi uma nova Marcha da Maconha. Manifestação em defesa da maconha livre no campus. Os menininhos ricos da USP querem a PM fora da universidade porque com a polícia lá os traficantes não podem montar a barraquinha para vender maconha e outras drogas. A verdade é essa. A USP deveria ser a universidade dos pobres, do povo. Daqueles que querem estudar. Mas a USP é a universidade dos ricos, paga pelos pobres, aqueles que trabalham o dia inteiro, pegam ônibus, trem, para pagar a escola a uma porção de vagabundos. Fora alguns professores que ainda pensam que estão vivendo no final dos anos 50, início dos anos 60. Não é justo generalizar, nem faria isso. Mais de 70 por cento dos estudantes querem a PM na universidade contra os bandidos que andam por lá, matando, assaltando, estuprando. Só os riquinhos não querem, porque a maconha ficou mais difícil de arrumar. Seja lá como for, ainda penso em poesia. Escolhi hoje alguns poemas do meu livro “Terminal”, de 1999, lançado em primeira edição em Curitiba, pela editora “Ossos do ofício”, do meu amigo Nivaldo Lopes. O mesmo que depois fez o filme “O homem de olhos mortos”, sobre o meu encontro com Jorge Luis Borges, no seu apartamento na Calle Maipu, em Buenos Aires, em 1976. Doze horas de conversa em dois dias. Guardei a entrevista 25 anos, até que virou o livro “Borges, o mesmo e o outro”(2001), no qual Nivaldo Lopes se baseou para fazer o filme, do qual participo. Na semana que vem, os meus 19 leitores poderão ver esse filme no meu site, com um ator de teatro argentino fazendo o papel de Borges e um jovem ator de teatro de Curitiba fazendo o meu papel. Na época do encontro, eu era ainda considerado um jovem poeta. O único poeta brasileiro que entrevistou Borges no seu apartamento, que dele fez 17 fotografias em sua poltrona preferida. Mas esse é um assunto para depois. Hoje é dia de poesia. Mas nem sei se a poesia ainda existe. Prá você que me esqueceu, aquele abraço.

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Alumbramento
.
Pequena é a sala
do esquecimento,
a cela que nos cerca
na circunferência do templo.
.
Pequeno é o solo do sentimento,
a sombra que nos consome
vivos em nosso silêncio.
.
Pequenos são os motivos
que nos comovem
em nosso pressentimento.
.
Pouca é a luz
no invólucro
do envolvimento.
.
Longa é a distância
do ausente
e do padecimento.
.
Leve é o som
desse momento,
do tempo que pára
no descobrimento.
.
Aparente é o corte,
a faca que corta
o féretro,
o falecimento,
o que acaba,
inconcluso acabamento.
.
Pequeno é o passo
que atravessa a sala
e carrega a teia
do acalento.
Pouca é a morte
em mais este
adiamento.
.

Poético

Chega uma hora em que a poesia
não basta em si,
chega uma hora em que a poesia
não basta em ti.
Chega uma hora em que a poesia
não basta em mim.
Chega uma hora em que a poesia
não basta.
Chega uma hora em que a poesia
não basta em nada.
Chega uma hora em que a poesia
não basta.
Não basta porque a poesia
não basta,
como se desnecessária.
Como se desnecessária
chega uma hora em que a poesia
não basta em.
Não basta aquém,
não basta além.
Chega uma hora em que a poesia
não é.
Não é poesia,
se assim fosse, seria.
Chega uma hora em que a poesia
não basta, não chega.
Chega uma hora em que a poesia
se mata em si,
dentro dela,
no próprio avesso,
no cofre de sua palavra,
o que não se alcança.

Chega uma hora em que a poesia
não dá.
Chega uma hora em que a poesia
não.
.

Calendário
.
Longos são os tempos
que se foram, que não serão.
Longos os destinos,
sombras inválidas
no celofane de tardes imensas
caladas no fundo dos móveis.
Longas são as frágeis palavras
para saudar desatinos.
.
Longas são as despedidas,
os dias tardios entre os dedos
na paisagem do olhar.
.
Longa é a espera de não saber,
e o pensamento de chegar
a lugar nenhum.
Longo o passado,
mapa de distâncias nos calendários.
Longa é a ausência
sentada na poltrona,
sala de estar entre o abandono
e o que não foi,
que não será.
.

Auto-retrato

Ando sempre com a sensação
de estar à beira de um colapso.
Mas sei que isso faz parte
da brutalidade cotidiana.
.
Enquanto não dou um fim a tudo,
me submeto à próxima
vontade de existir,
como se tudo fosse normal.
.

Celestial

Quando tentei ser santo,
queria apenas ser um santo
sem compromisso
de fazer milagres.
.
Seria uma espécie de santo avulso,
desses que permanecem
desconhecidos no céu
e que só vêem Deus
de muito longe,
sem direito a carro oficial.
.

Ponto Final

É bom saber que a vida
volta ao normal.
Algumas vezes me sinto triste,
mas nada que me leve ao desatino.
.
Nas tardes de chuva
imagino peixes voadores
sem a convicção necessária.
Nos domingos passeio lembranças
como um velho que depois
vai ler jornal no banco de um jardim.
.
Perto da noite
olho pela janela
com a naturalidade de um pai
que chama o filho para jantar.
.
Nas madrugadas
me viro na cama
e faço alguns planos para amanhã.
.
Agora mexo nas plantas
e percorro calçadas
com o cuidado
de quem anda num hospital.



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