Álvaro Alves de Faria
Chegou o domingo. Mais uma vez. Hoje talvez seja poesia. Acredito que nada mais lógico – talvez justo – que eu coloque neste espaço alguns poemas do meu novo livro publicado em Portugal, “Três sentimentos em Idanha e outros poemas portugueses”. Estou reunindo o material do lançamento, fotos e textos, para colocar no meu site na semana que vem. Eu escrevi para colocar no meu site NA semana que vem. Não escrevi nem nunca escreverei “para colocar no meu site semana que vem”. Eu coloquei o NA. Seja lá como for, deixo alguns poemas do novo livro. Foram lançamentos e leituras de poemas apaixonantes. Volto para Portugal NO ano que vem, com outro livro. E também para lançar “Cartas de Abril para Júlia” na Espanha. A tradução já está sendo feita pelo poeta espanhol Alfredo Perez Alencart, da Universidade de Salamanca. As coisas vão acontecendo. Estão em mim momentos que não vou esquecer nunca. Sinto falta das palavras neste momento em que estou escrevendo. As palavras não me servem para nada. Apenas para dizer pressentimentos. Sinto falta de coisas que não sei. Sei apenas que sinto falta.
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DIA 14
Penso matar-me
assim que concluir este poema.
Talvez um tiro na boca
ou um punhal no coração.
.
O importante é que me mate,
não o poema.
.
Um poema nunca será importante
como a morte de quem o escreveu.
.
Penso matar-me,
especialmente agora
que está a entardecer.
.
Logo que escrever este poema,
tudo será passado.
.
Poderei lembrar de algumas mulheres
que não me lembro mais,
que me fizeram amar
o amor que nunca existiu.
.
Poderei também esquecer todas as coisas,
de tudo que já não vive,
logo que escrever este poema.
.
Penso matar-me na última palavra,
como se para salvar-me de mim.
.
Logo que terminar este poema
talvez corte as veias do pulso
com uma navalha.
.
Depois deixarei meu quarto
e seguirei para o quintal.
.
A seguir,
andarei entre as sombras
dos cavalos das planícies
com minha roupa vermelha,
a mesma que vestia
quando me matei no dia 14,
ao terminar este poema
que em mim se concluiu.
DO QUE TERMINA
Ao partir de mim o poema que me conclui,
deixo que as poças dos temporais
sejam o espelho do rosto que se apaga,
assim como se fosse a própria água desfeita,
risco na pele com a louça que se quebra,
a jarra esquecida sobre a mesa
onde repousam os dedos.
.
Tudo isso a partir de mim essa poesia que se corta
em fatias de receios, quando a face ainda não se fez,
o estar como se não estivesse,
como se fugissem as palavras
e se perdesse um silêncio no canto da boca,
como se fosse assim,
esse calar por dentro o tempo que acaba,
a partir de mim esse poema que morre aos poucos,
sem que se saiba de sua rima,
seu tempo que se exaure,
o que não se destina,
o que deixa de ser,
o que termina.
POETA
O homem que vive em mim
foi um dia um poeta de versos antigos,
falava de outro tempo
que ele mesmo não percebia,
mas falava como se fosse um poeta,
o homem triste que vive dentro de mim.
.
Perdeu-se um dia de meu caminho
e pôs-se a orar nas igrejas
dizendo que Deus era o culpado
por seu destino,
o homem triste que vive em mim,
um poeta
que pensou ser santo com dom divino.
.
Calou-se mais tarde para sempre
o homem triste que vive em mim
que um dia foi poeta,
calou-se
como se calam as aves nas noites,
mudou-se de meu corpo
o homem triste que vivia em mim sem viver,
que um dia foi poeta,
e que agora sem mim, foi morrer.
.
NA PELE
Por morar em mim esta sombra pregada aos meus pés,
caminho-me em minha volta para dela livrar-me,
como se livra de um poema ao jogá-lo num rio
ou numa poça de água à margem de tudo.
.
Calar-me por mim, por dentro,
como se ausência fosse mais do que é,
apenas calçar as sandálias e ir-se ao mundo,
cajado de distâncias que se perdem.
.
Por estar em mim a poesia indesejada,
assim na pele, como costura, agulha aflita,
a palavra desnecessária que insiste existir
quando a existência deixar de ser.
.
Por viver em mim o sonho que me faz,
mato-me aos poucos, a cada dia um espaço,
o que de mim me resta que em mim jaz,
aquilo que penso fazer, mas não faço.
FRAGMENTOS
Quando lembro de mim
é como se me esquecesse,
não me reconheço por estar partido,
como um homem de louça
que tropeça e cai numa escada,
em fragmentos.
.
Do que me resta procuro nas fotografias,
as mais antigas me dizem mais respeito,
porque ainda não tinha as cicatrizes
que a poesia se encarregou
de fazer com o tempo.
.
Mas a face não me engana
porque tem as marcas
que só eu conheço,
alguns amores que partiram,
outros que morreram
e alguns que sequer existiram.
.
Também reconheço
minha única camisa,
com um furo de sangue
em cima do coração.
.
Reconheço as mãos,
os dedos trêmulos,
as unhas por fazer,
além do lábio inferior ferido
por um beijo que nunca existiu,
de alguém que não conheci.
.
De um amor que se estendia às coisas
e cobria os objetos de sombras:
reconheço-me pela ausência de mim,
a face
que se desfaz a todo instante,
que se faz doença rara
a mulher que esqueceu,
ferimento que não sara.
.
Não me conheço bem,
apenas o suficiente
para me evitar sempre
na possibilidade
de um encontro inesperado.
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