Grito de dor
[O Grito – Munch]
As pessoas vão-se embora, caminham distâncias, esquecem o arco-iris, as folhas brancas de árvores invisíveis, as poças de água, esquecem dos oceanos e finalmente esquecem a poesia. As pessoas escolhem seus rumos, os destinos a seguir. As pessoas se ferem. As pessoas se cortam. As pessoas se olham no espelho e não se conhecem mais. As pessoas se afligem. As pessoas não sabem. Nunca saberão. Deixo hoje no blog um poema que escrevi há alguns dias, quando as palavras faltavam e o ar era escasso. Escrevi com as mãos imóveis e uma alma inquieta que queria saltar da boca. Um único poema que colocarei no livro “Os dias derradeiros”, aquele de 512 páginas, ainda inédito. Um dia ele será publicado. O poema de hoje nasceu-me como um grito de dor. Mas eu não quero entristecer ninguém.
*****
37 ANOS
Devia ter-me matado aos 37 anos.
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De lá para cá pouca coisa aconteceu
que mereça sem lembrada.
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Tirei algumas fotografias,
fiz algumas viagens imaginárias,
amei mulheres tristes
e comprei dois relógios antigos.
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Fiz mal
em não ter-me matado aos 37 anos.
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De lá par cá
as coisas se repetiram
com a freqüência de sempre.
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Tive dois punhais
e uma espada japonesa.
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Devia ter-me matado aos 37 anos.
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De lá para cá só aconteceram
ausências e distâncias,
como um vaso que se quebra,
uma jarra de reminiscências
que não sei recordar.
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Escrevi alguns poemas
que depois esqueci em algum lugar.
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Devia mesmo ter-me matado aos 37 anos,
ao abrir a janela
para a que seria minha última manhã.
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Talvez um tiro no coração,
para não ferir o rosto.
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Talvez uma xícara de veneno
que me fizesse adormecer.
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Fiz muito mal a mim mesmo
em não matar-me aos 37 anos.
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Não veria as coisas inúteis que vi
nem teria rezado tanto para salvar minha alma.
Dela, nada sei
e ela nada sabe de mim.
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Também não teria inventado
tantas histórias para viver
esse tempo que afinal
passou sem que eu percebesse.
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Não teria sangrado tanto
se tivesse me matado aos 37 anos.
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Peço desculpas aos amigos
e aos três anjos que hoje vivem comigo
e comigo falam em silêncio
no meio das noites e dos temporais.
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Devia ter-me matado aos 37 anos.
.
De lá para cá
foram anos que não contei,
só andei perdido de mim
como se não existisse mais.
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