“Três Sentimentos em Idanha e Outros Poemas Portugueses”
João Rasteiro entrevista Álvaro Alves de Faria
Álvaro Alves de Faria é, sem dúvida, uma das vozes mais conceituadas da Geração 60 da Poesia Brasileira. Autor de mais de 50 livros, que vão do romance às novelas, livros de entrevistas literárias, ensaios, crónicas, além de peças de teatro, incluindo adaptações de textos seus ao cinema. Recebeu inúmeros prémios, quer seja ao nível da poesia, do teatro ou do jornalismo cultural, onde já obteve dois Prémios Jabuti. Desde 1999, publicou oito livros em Portugal, sete de poesia e a novela, “Cartas de Abril para Júlia” (2010). Diz que veio para Portugal em busca da poesia que lhe falta actualmente no Brasil. Agora que se prepara, neste mês de Setembro, para editar em Portugal mais um livro, intitulado, ““Três sentimentos em Idanha e outros Poemas Portugueses”, é a altura ideal para lhe ter feito a presente entrevista, até porque como afirma no poema OCO: Tenho pensado em desatinos,/como por exemplo/matar todos os poemas/de todos os livros do mundo,/palavra por palavra,/sílaba por sílaba,/deixando só uma coisa oca no lugar,/o poema mais perfeito.
1.João Rasteiro – Álvaro, porquê e qual foi o clique ou imperativo que te levou nos últimos anos a publicar cerca de uma dezena de livros em Portugal, começando por esse belo livro “20 poemas quase líricos e algumas canções para Coimbra”, agora que preparas nova publicação, com o livro, “Três sentimentos em Idanha e outros Poemas Portugueses”?
Álvaro Alves de Faria - A história é longa, porque implica, também, em história da vida fora da literatura. Mas tudo começou quando participei do Terceiro Encontro Internacional de Poetas, na Universidade de Coimbra, em 1998, a convite de Graça Capinha, que havia me conhecido em São Paulo. Fui apresentado a ela pelo jornalista amigo Paulo de Tarso. Nessa época vinha juntando decepções brasileiras em vários setores, envolvendo o país como um todo, incluindo a Literatura e dentro disso, particularmente a produção de poesia. De repente, este país foi se afundando numa mediocridade assustadora. Os chamados suplementos culturais mostravam-se preocupados apenas em promover futilidades, inventando nomes de “poetas” da noite para o dia, nomes que desapareciam, também, do dia para a noite. A situação política também ajudou. Sempre fui um militante político. Sei quais os dissabores e desesperos que essa militância me trouxe. E diante disso, vivi a decepção de ver pessoas que traíram a própria vida e a própria biografia. Foi todo um conjunto de fatos que me levou a procurar a poesia que me faltava no Brasil. Isso aflorou definitivamente ao participar do evento em Coimbra e depois que dei uma entrevista ao poeta Floriano Martins, de Fortaleza, Ceará, para a revista Agulha, que ele editava com o poeta Cláudio Willer, de São Paulo. Em outras palavras dizia que estava partindo para Portugal, única maneira de continuar a ser poeta. No início isso foi levado como uma espécie de gracejo. Mas com o tempo isso mudou. Mergulhei na poesia de Portugal e comecei a produzir livros que nada tinham a ver com a poesia brasileira. É preciso ser, mas também fazer a ressalva das exceções, sem generalizar as coisas. Mas a poesia brasileira, de alguns anos para cá, tomou um rumo que poeta que se quer sério tem de ficar distante. E coloco sempre o jornalismo cultural nisso, porque é esse jornalismo que promove as maiores aberrações literárias deste país, um jornalismo feito por uma gente assexuada e sem compromisso com nada. Como me disse, certa vez, o poeta Ferreira Gullar: “Estou cansado de ler textos sobre Baudelaire escrito por gente que nunca leu um verso de Baudelaire”. E com o tempo, somou-se a essa decepção literária, a grande decepção política de gente traidora mesmo, gente sem escrúpulo algum, que passou a fazer exatamente aquilo que se combateu a vida inteira. Ou eu fugia da mediocridade ou me enfiava nela. Sempre fui um jornalista combativo. No Jornalismo ocupei todos os cargos que existem. Mas sempre me dediquei ao jornalismo cultural, à defesa do Livro, de escritores, de poetas, trabalho aliás bastante reconhecido. Mas eu sei o que essa verdadeira militância me fez sofrer. Então diante desse cenário desolador nasceu o livro dedicado a Coimbra e daí para diante nunca mais deixei de escrever poesia que tem Portugal ao fundo, meu pai Álvaro, que nasceu em Angola, de minha mãe Lucília, de Anadia. Foi quando então anunciei que não era mais poeta brasileiro, dizendo sempre que isso não tinha significado nenhum. O que não tem mesmo. Mas o significado disso está em mim. É o que me vale.
2. J.R. – Frequentemente costumas aludir à linguagem da poesia portuguesa. Ela é assim tão diferente da poesia que se faz hoje no Brasil, e falo essencialmente da poesia do eixo Rio de Janeiro – São Paulo?
A.A.F. - O famigerado eixo Rio-São Paulo é o que de pior existe neste país, onde vive toda a festividade em todas as coisas brasileiras, incluindo de maneira especial as artes em geral. O Rio de Janeiro continua a ser, digamos, a capital cultural do Brasil. Brasília é uma ilha cercada de corruptos por todos os lados. A capital política. A capital financeira é a Avenida Paulista, em São Paulo. A desolação maior da cultura está nesse eixo Rio-São Paulo, onde se cultivam as maiores inversões de valores. Onde se cultiva todo tipo de desonestidade. Tudo é uma grande festa inconsequente. Está nesse eixo o que de pior existe neste país. Aí está a raiz da mediocridade enaltecida pelo jornalismo cultural, com algumas figuras que dominam quase tudo, incluindo a universidade. O Brasil é um país que não tem ministro da Cultura há nove anos. Primeiro foi o compositor e cantor Gilberto Gil, mais preocupado com ele mesmo e acabou participando ativamente do movimento do Governo-Lula contra a liberdade de expressão, censura mesmo. A mesma censura da ditadura militar. De repente, Gilberto Gil estava lá defendendo ideias inadmissíveis em qualquer regime democrático. Saiu para cuidar da sua vida e ficou no seu lugar alguém de quem sequer sei o nome. Agora a ministra é Anna de Holanda, cujo único predicado é ser irmã de Chico Buarque de Holanda, que também já não vê as coisas como as coisas são. Colocou uma venda nos olhos. Respondendo, então, ressaltando sempre as exceções, já que sou chamado de radical. A poesia produzida no eixo Rio-São Paulo é um lixo. Só lixo. Nomes inventados, impostos de cima para baixo pelos senhores “donos” da cultura deste país sem rumo que, nos últimos anos, nas mãos de megalomaníacos, se transformou em um grande constrangimento para os que ainda conseguem pensar.
3. J.R. – Tendo em conta essa tua posição, que poetas contemporâneos portugueses podem ter em correspondência com os poetas brasileiros, no que concerne a essa tradição lírica que de alguma forma inunda e quase asfixia a tua poética?
A.A.F. – Caro João Rasteiro, não sei porque você utiliza a expressão “asfixia”. Não asfixia nada, antes liberta a minha poesia da mediocridade reinante. Não quero citar nomes de poetas portugueses que possam ter correspondência com poetas brasileiros. Nem de poetas brasileiros que possam ter correspondência com poetas portugueses. Prefiro falar da poesia em si, não de nomes. Em Portugal encontrei a poesia que busquei a vida inteira. Nos poetas portugueses. Nos bons poetas portugueses. Pertenço à chamada Geração 60 de Poetas de São Paulo, que tinha com ícone Fernando Pessoa. Éramos cerca de 30 jovens praticamente saindo da adolescência com Fernando Pessoa debaixo do braço. E tudo começou com a “Antologia dos Novíssimos”, publicada pelo editor Massao Ohno, que faleceu recentemente. Vários desse grupo já morreram. Outros foram à vida prática. Hoje, tanto tempo depois, somos sete ou oito. Fica que tem de ficar. Depois dos anos 60, a meu ver, nada aconteceu, a não ser a “glória” cantada em verso em prosa por esse jornalismo indecente daqueles que fazem “poesia” negando a própria poesia, negando a própria palavra, negando o próprio poema. Mas são esses que reinam em tudo. Lembro o que me dizia sempre meu amigo poeta Roberto Piva, o que de melhor produziu a Geração 60 e que, infelizmente, faleceu há pouco tempo. Dizia: “Só acredito em poeta experimental que tenha vida experimental”.
4. J.R. – Álvaro, após dezenas de anos de poesia, outras tantas dezenas de livros de poesia e não só, como se posiciona então hoje a tua poesia, tendo em conta as duas fortes tradições líricas, de Brasil e Portugal?
A.A.F. – Não sei como se posiciona hoje minha poesia no panorama literário e poético do Brasil. Não sei e não me interessa saber. Recentemente, Graça Capinha falou sobre minha novela “Cartas de Abril para Júlia”, em um evento cultural na Universidade de Extremadura, em Cáceres, na Espanha, chamando-me de poeta luso-brasileiro. Por mim sou somente um poeta luso, porque não aceito essa festividade que vejo em minha volta neste país cada vez distante da seriedade. O Brasil não é um país sério. Eu sou somente um poeta. Não tenho interesse em saber como minha poesia se posiciona neste cenário melancólico da poesia brasileira, voltando a ressalvar as exceções, que existem, felizmente existem. Mas digamos que eu seja um poeta lírico e romântico do século XVIII. Acho que me cai bem.
5. J.R. - Ainda assim, sendo tu considerado um poeta de corpo e vida inteira, houve uma fase, em que produziste excelentes textos em prosa, quer fossem de teatro, romance, novela, etc. O que te levou nos últimos anos a mergulhar, numa entrega total à utopia e ao sofrimento, praticamente [exceptuando o recente “Cartas de Abril para Júlia”], só nas entranhas da poesia?
A.A.F. - É que, na verdade, eu sou fundamentalmente poeta. Tenho vários romances publicados, especialmente na área social e um autobiográfico chamado "Autópsia", que se passa no período do presidente militar Garrastazu Médici. Uma história de violência e morte. Uma história que de alguma maneira, também, revela um certo comportamento da esquerda incompatível com a história. Assim também ocorre, por exemplo noutro romance, como "O Tribunal", que foi transformado em filme de longa-metragem com o título "Onde os poetas morrem primeiro". Tenho outro livro também transformado em filme. Fui o único poeta brasileiro que entrevistou Jorge Luís Borges, no seu apartamento, em Buenos Aires, na calle Maipu. Tirei 17 fotos dele, na sua poltrona preferida. Levei meses para conseguir essa entrevista, em Setembro de 1976. Até que concordou. Achei que seria recebido por, no máximo, meia hora. Mas não. O primeiro dia fiquei com ele seis horas. Ele me pediu para voltar no outro dia. Fiquei mais seis horas. Geralmente a gente vê Borges em fotografias em congressos, com microfones, essas coisas. Mas não dentro da casa dele. Só que encontrei um homem morto. Uma pessoa completamente destruída, sozinha. Que defendia com veemência a junta militar que, na época, governava a Argentina. Que defendia a ditadura no Brasil. Que criticava toda a América Latina e seus escritores. Que chamou Pablo de Neruda de medíocre. Que disse que a raça negra não serve para nada. Coisas assim. De volta ao Brasil, não publiquei a entrevista. Guardei-a por 25 anos, até se transformar no livro "Borges - o mesmo e o outro". O livro causou muita polêmica. E foi também transformado num filme chamado "Borges, o homem de olhos mortos", no qual um ator brasileiro faz o meu papel e um ator argentino faz o papel de Borges. Tenho três romances guardados. Mas continuo escrevendo prosa, como "Cartas de Abril para Júlia". Há também as peças de teatro, uma delas "Salve-se quem puder que o jardim está pegando fogo", que recebeu um dos maiores prêmios para teatro nos anos 70 -, o Prêmio Anchieta para Teatro. Mas quinze dias antes da estréia a peça foi proibida e ficou interditada por seis anos na censura federal. No entanto, sou poeta, especialmente poeta.
6. J.R. – Ainda assim, que poetas contemporâneos, tanto em Portugal como no Brasil, mesmo não navegando propriamente nessa tradição lírica que tanto te alimenta, eventualmente tu aches que são algo de importante ou novo, nesse aterrador espaço, por vezes tão homogeneizado da poesia em língua portuguesa neste início de século XXI?
A.A.F. – Volto a responder que não desejo citar nomes de ninguém, para não correr o risco de ser injusto, esquecendo algum poeta que mereça respeito e consideração. Algo novo e importante, isso não existe na poesia brasileira. Eu sou um romântico do século XVIII, mas ainda não devidamente louco para fazer uma descoberta assim. Claro que existem bons poetas no Brasil que merecem ser chamados de poetas verdadeiros, aqueles que cultivam a palavra e a poesia. E se houver “espaço aterrador”, como você diz, esse espaço está no Brasil, no que diz respeito à literatura. Ninguém pode imaginar as manobras que se fazem aqui por trás das cenas literárias. E não pode ser diferente em um país que não tem ministro da Cultura há nove anos. E não pode ser diferente em um país em que o chamado ministro da Educação distribui para a rede pública de ensino livros de aprendizado da Língua Portuguesa que ensina e defende erros na Língua Portuguesa, isso tudo permitido por um país sem destino entregue a facínoras circunstanciais. O que mais tem no Brasil são pessoas circunstanciais, especialmente na esfera governamental. Aqui os grandes “poetas” são os compositores de música popular, alguns até chamados de “poetas” de uma geração. É muito subdesenvolvimento cultural demais para um país que é só um país, não é uma Nação.
7. J.R. – Tenho escutado ultimamente, não sei se da tua boca, se do teu coração, primeiro, que já não és mais um poeta brasileiro e, mais recentemente, de que és um ex-poeta. Mas se assim é, como explicar essa tua crescente sensibilidade perante as tragédias e injustiças do mundo e, contrabalançando essa posição, continuares a publicar e a escrever poesia, quase como se o único alimento que te permite ainda olhar o mundo de frente fosse essa mesma poesia?
A.A.F. – Meu querido amigo poeta João Rasteiro, ainda escrevo cartas para algumas pessoas, só algumas. E sempre assino assim: “Álvaro, ex-poeta brasileiro, ex-poeta português, ex-jornalista, ex-tudo”. É beatamente assim que me sinto ao meio disto tudo, desta loucura, deste absurdo cada vez mais contundente. Deste crime. A sensibilidade é uma doença que tento ainda curar. Costumo dizer aos meus amigos que estou deixando de ouvir. Também estou deixando de falar. Também estou deixando de pensar. E uso agora óculos dos mais escuros que existem para também não ver. É assim que me quero. Sei que é impossível me curar deste mal. Cada coisa ao seu tempo. No tempo da ditadura tive dissabores sérios, os quais sinto até hoje na minha cabeça. O pavor. Editor de um suplemento cultural, o “Jornal de Domingo”, do extinto Diário de S. Paulo, sei bem o que é trabalhar com um censor da Polícia Federal sentado ao meu lado, dizendo o que podia ser publicado ou não. Sei bem o que é isso. Hoje digo sem medo de erro que as tragédias e as injustiças são iguais. E é isso que dói. Isso que dói. Isso que machuca. Isso que corta. Isso que sangra. De ver gente que se traiu em nome do poder, porque só o poder importava, o povo que se foda, o povo é só um detalhe, como disse certa vez uma ministra da Economia num Governo já distante que terminou em impeachment. Não mudou nada. A democracia implica em muitas coisas, haveres e deveres e, principalmente, honestidade. O povo continua a ser apenas um detalhe. Só um detalhe, mais nada, agora em mãos que manobram mais, muito mais, com desfaçatez. Para mim, ditadura de direita ou de esquerda é tudo a mesma coisa. Então arrumo sempre um jeito de participar do que ocorre, no que diz respeito a essas tragédias e injustiças. Na ditadura, fiz parte do Centro Democrático Espanhol, uma organização clandestina que existia em São Paulo. Desenhava cartazes para o verdadeiro Partido Socialista Brasileiro. Escrevia panfletos para movimentos clandestinos que funcionavam no que os ditadores chamavam de “aparelhos”. Eu era o subversivo do viaduto. Isso me custou muito. Hoje trato desses assuntos ainda no Jornalismo, escrevendo, falando e agora interpretando numa televisão da Internet histórias que escrevo sobre este país surrealista. Minha arma são as palavras e a ironia. Porque só sendo irônico mesmo. Às vezes apelo também ao cinismo dos personagens que tomaram conta de tudo, corruptos de todos os naipes. E no país dos corruptos não existe cadeia. Aqui reina a justiça dos três Pês. Justiça e cadeia só para Pobre, Preto e Puta. Num país assim, só posso me salvar ainda escrevendo. E publicando. A poesia que ainda consigo ver é, sim, o meu alimento para não enlouquecer de vez. É o que ainda me faz estar vivo.
8. J.R. – Antes de entrarmos propriamente no teu novo livro, “Três Sentimentos em Idanha e Outros Poemas Portugueses”, como encarar essa tua revolta e desânimo, por um lado, com a poesia em geral e, especificamente, com a poesia brasileira, quando o poeta Álvaro Alves de Faria já ganhou o Prémio da Associação Paulista de Críticos de Artes para o melhor livro de poesia do ano, com “Trajetória Poética”, ganhou o Prémio de Poesia da Academia Paulista de Letras, também como o melhor livro de poesia do ano, com “Babel” e em 2008 foi integrado na Colecção Melhores Poemas, da Editora Global, que é o que de mais significativo existe na área da poesia no Brasil, isto para não falar em outros prémios que tens obtido, quer seja na poesia, no teatro, no jornalismo cultural, que te fez merecer dois Prémios Jabutis de Imprensa e três Prêmios Especial da Associação Paulista de Críticos de Arte, pelo teu trabalho em favor do livro nos meios de comunicação. Que considerações te merecem este reconhecimento, apesar desse teu pessimismo evidente, isso não será algo contraditório?
A.A.F. – Não acho contraditório, não. Quando a coisa é séria será preciso admitir. O caos reinante vem do “baixo clero”, uma gente sem escrúpulo que infelizmente está em todo o lugar. Especialmente no Jornalismo. Por ser jornalista, eu sei bem como funciona isso. É preciso lembrar que os prêmios mais importantes – se é que isso tem alguma importância – são de outra época, dos anos 70 e 80. Os dois que você citou são mais recentes mas que tiveram como julgadores gente séria. Se depender do que existe aí seria uma lástima. É preciso dizer que são prêmios para os quais não me inscrevi. Os prêmios que me são gratos, mesmo, são os que recebi pelo trabalho exatamente no jornalismo cultural em favor do livro e do autor brasileiros. Isso eu trago comigo com certo orgulho, porque cumpri minha obrigação, fazendo um suplemento cultural absolutamente democrático, abrindo espaço até para os desafetos declarados. O que ocorre até hoje. A expressão “Geração 60 de Poetas de São Paulo”, por exemplo, ficou marcada porque nos tempos do Diário de S. Paulo eu escrevia todos os dias sobre a “Geração 60”, quando ninguém utilizava essa expressão para se referir aos jovens poetas de então. Todos os dias. Todos os dias. Todos os dias usando essa expressão até que pegou. E quando essa Geração completou 40 anos publicou-se uma antologia de todos os poetas, organizada pelo poeta Carlos Felipe Moisés e por mim, um documento literário. A antologia teve boa acolhida no tal jornalismo cultural porque ai não tinha jeito de sabotar. Você me fala em desânimo e até revolta diante de um cenário favorável que você deixa subtendido na sua pergunta. Não quero cenário favorável para mim particularmente. Exijo apenas respeito. A informação cultural séria e democrática ainda não chegou ao jornalismo brasileiro. Tem gente que no Jornalismo ainda anda com o Ato Institucional número 5 do regime militar debaixo do braço. É fascismo puro. Essa praga ainda não foi extirpada como deve ser. E participar da coleção “Os Melhores Poemas” representa de fato um reconhecimento de um trabalho honesto, sério, de quem, antes de tudo, respeita a poesia. Este país não merece os poetas sérios que ainda tem.
9. J.R - Perante esse aparente desalento, mais do que sobre a poesia, mas sobretudo, pela impotência da poesia, perante este, ou estes mundos, que nos vão sorvendo cada vez mais, a pouca memória do que era o ser humano, o que dirias hoje a um jovem poeta, tendo em conta as suas compreensíveis aspirações, ou utopias, seja ele brasileiro, ou de outro lugar qualquer?
A.A.F. - Diria que ele, como poeta fosse honesto com a poesia e consigo mesmo a vida inteira. O desalento se deve ao que eu vejo por aqui, nas plagas brasileiras, ressalvando sempre que existem as exceções. Que o jovem poeta se dê conta do que vai encontrar pela frente, porque a poesia fere, um ferimento que não fecha nunca. Diria a esse poeta, que ele acredite, sim, em todas as utopias. E que tenha a poesia como sua respiração.
"(...) A sensibilidade é uma doença que tento ainda curar (...)"
ResponderExcluirSe o Álvaro conseguisse curar-se dessa "doença", mais valia beber, até ao fim, uma taça de cicuta e não se esquecer de que devia um galo a Asclépio. Porém, trata-se de uma "doença" que sustenta e ilumina a sua obra, não acha? E assim, o espírito da Poesia poderá soprar em si, como quiser.
"(...) No tempo da ditadura, tive dissabores sérios, os quais sinto até hoje na minha cabeça (...)".
Felicito-o por tais dissabores! Se "no tempo da ditadura", os teve, é porque era (e é ainda hoje...) um Homem livre, avesso à opressão e à mediocridade. Se não tivesse tido dissabores e estivesse confortavelmente instalado no sistema, a sua capacidade de sentir teria ficado atrofiada e, obviamente, não seria o Poeta que é hoje. Felizmente, há "doenças" que não têm cura. E eu sei que o Álvaro não vai usar "óculos dos mais escuros que existem", porque "o povo continua a ser apenas um detalhe" (no Brasil, em Portugal, etc., etc.). E você precisa da Poesia "para não enlouquecer de vez". Não é ela que ainda o "faz estar vivo"?
Os meus parabéns pela sua obra e por essa sua incansável luta (não acredito que vá cruzar os braços...) contra o terrível poder da mediocridade.
Um abraço para si, Álvaro, e outro para ti, João Rasteiro, por esta entrevista bem conseguida a um Poeta que admiro muito.
Maria João Oliveira
Obrigado Maria João. Bjs.
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