Álvaro Alves de Faria
Como eu sou insistente, volto a falar em poesia, como se isso fosse alguma coisa importante. De vez em quando tenho umas recaídas, mas logo volto ao normal. À realidade do dia a dia, das ruas sem saída, dos cortes profundos que não fecham. Não tenho muito a dizer. Aliás, nunca tive nada a dizer. Deixo três poemas de meu novo livro “Três sentimentos em Idanha e outros poemas portugueses”, que será lançado em Portugal no mês que vêm, mês de setembro, se não me engano. Os lançamentos serão assim: dia 21, no Porto; dia 23, em Coimbra; 24, em Lisboa; e dia 25, um domingo, em Idanha-a-Nova. Preciso respirar. Tenho vontade de ir para o aeroporto hoje mesmo e ficar lá esperando. Acho que para mim não dá mais.
SANTA CLARA
Ao andar por estas ruas
encontro Santa Clara
e com ela converso palavras
que não se ouvem.
Mas para sempre sinto
o cheiro das árvores
junto ao rio,
aquele barulho que ninguém sabe
mas que me traz o som das águas,
alguma ave que adormecida
canta um canto quieto.
Caminho com ela e atravesso a ponte
que tem seu nome
não é qualquer ponte que tem nome de santo
- penso
mas isso reflete apenas um instante tardio.
É noite agora deste lado do rio,
mas nada é escuro,
este caminho iluminado pela santa
brilha nas paredes das igrejas,
onde rezo terços desesperados.
Trago sim meu desespero de onde vim,
calo aqui no chão de folhas
meus passos apagados na existência.
Santa Clara não me compreende,
nem nunca me compreenderá Santa Clara,
por mais que queira não saberá
dizer de mim
o que não posso ouvir.
Mata-me aos poucos essa idéia de partir,
mas sei que afinal
nem tudo termina
como penso e desejo.
Ao me olhar, Santa Clara me indaga
preces que definitivamente
perdi.
Não sei agora o sentido de nada,
senão que a santa
corre pelas águas do rio,
e nas margens
deixa algumas preces
e também algumas luas
que se apagaram no céu.
SANTA LUZIA
Meus sapatos seguem
pela Rua dos Corvos:
que me salve Santa Luzia
quando lá chegar
com meus sapatos perdidos,
que me salve Santa Luzia de mim,
que aqui na Rua dos Corvos
tomo o vinho vermelho de minha morte
no beijo louco da mulher que me acompanha
e que vive dentro do que sou.
Que me salve Santa Luzia,
que a Rua dos Corvos está a terminar
e de mim
mais não sei o rosto nem as mãos,
só o que em mim soluço ainda,
a palavra
que seria uma prece
se ainda existisse na boca.
SANTA CATARINA
Ando por esta rua Santa Catarina,
no Porto,
sem saber de sua vida
e sem nunca ter-lhe feito qualquer oração.
Procuro uma mulher negra
que me deixe marcas na pele.
Ando por esta rua Santa Catarina
a tropeçar na sombra
grudada em meus sapatos.
Procuro uma mulher negra,
porque amo as mulheres negras.
Ando por esta rua Santa Catarina
e sinto cheiros que não sei descrever.
Meus pés se perdem nesta rua Santa Catarina
e entram em igrejas à minha procura.
Por enquanto desisti de matar-me,
a andar nesta rua Santa Catarina.
Desisti também de me vestir de anjo,
como se a querer salvar-me.
Santa Catarina
haverá de me perdoar.
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